Enquanto o bebê é gerado, o corpo da mulher passa por inúmeras transformações que favorecem a proteção do feto e beneficiam o seu desenvolvimento
A gravidez provoca inúmeras mudanças visíveis e a que mais se destaca é o crescimento da barriga. Porém, essa é apenas uma amostra das muitas outras transformações que ocorrem no corpo desde o momento da concepção de um filho. Além das alterações físicas e emocionais, há mudanças que não são esperadas pela maioria das mulheres, mas que têm grande influência durante a gestação. Trata-se da falta de atenção e lapsos de memória.
Quando menos se espera, o esquecimento passa a fazer parte do dia a dia da grávida. Ela não lembra o que estava procurando, deixa o celular no trabalho, com certa frequência palavras desaparecem de sua memória durante uma conversa, sai de casa sem a bolsa e por aí vai. É como se a gestante ficasse “fora do ar”. Apesar de muitas pessoas acreditarem que esses lapsos são apenas falta de atenção ou uma crendice popular, na verdade, a ciência já comprovou que o esquecimento é comum na gravidez, embora não aconteça com todas as mulheres.
Esse fenômeno, conhecido como momnesia (amnésia de mãe) ou pregnancy brain (cérebro de gravidez), ocorre porque a gestante sofre importantes alterações físicas no córtex cerebral, a conhecida massa cinzenta, onde são localizados os corpos celulares com os núcleos dos neurônios, parte ligada à cognição social. Em uma publicação feita na Nature Neroscience, grupos espanhóis e holandeses apontaram como uma das principais mudanças a diminuição dessa área do cérebro responsável pela atenção.
“Tais reduções ocorrem substancialmente em regiões cerebrais que são responsáveis por reconhecer os bebês, principalmente os próprios filhos. Essas mudanças parecem ter relação com o apego entre a mãe e o filho”, observa Dr. Leonardo Camargo, neurologista da Clínica N3 – Neurologia, Neurocirurgia e Neuropediatria.
Conforme explica, para tornar uma gestação viável, o organismo da mulher passa por mudanças comportamentais, hormonais, imunológicas, cardiovasculares e gastrointestinais que começam durante a gravidez e persistem no pós-parto. Durante a gravidez ocorrem surtos hormonais radicais que desencadeiam adaptações biológicas no corpo e no cérebro feminino que beneficiam a proteção e o desenvolvimento do feto.
Ainda de acordo com o estudo publicado na Nature Neuroscience, nem sempre a memória volta ao normal após a gestação. Algumas alterações tendem a ser duradouras, visto que a redução da substância cinzenta dura pelo menos dois anos após o nascimento do bebê. Sintonizar e entender o choro do filho está entre as principais habilidades necessárias nos estágios iniciais da maternidade, e a puérpera desenvolve essa habilidade porque a neuroplasticidade favorece a capacidade de responder adequadamente às necessidades do recém-nascido, conforme esclarece o neurologista.
Audição refinada
A primeira evidência concreta do aumento significativo do volume cortical em todas as regiões e sub-regiões do cérebro da mãe em relação à interpretação confiável do choro do recém-nascido foi publicada em 2021 no Journal of Clinical Medicine. “O estudo revelou também uma tendência de maior aumento pós-parto nas regiões do hemisfério cerebral direito em comparação com as regiões do hemisfério cerebral esquerdo, o que pode estar relacionado à capacidade de discernir o tom, o som e o volume do choro de um bebê”, acrescenta Dr. Leonardo.
Como driblar o esquecimento?
Dá para colocar a culpa nos hormônios da gravidez quando algum compromisso importante acabar passando batido ou mesmo quando deixar de responder um e-mail ou uma mensagem de trabalho. Porém, para as grávidas que não querem cometer esses deslizes (ou, pelo menos diminuí-los), a dica é recorrer às tradicionais listinhas ou mesmo criar um bloco de anotações com alarme no celular.