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Tratando a doença de Alzheimer com afeto

Doses extras de carinho fazem muita diferença na qualidade de vida do paciente

Todos os dias, um idoso visita uma senhora no asilo e conta a ela a história de dois jovens que se conheceram na década de 1940. A família da moça não aceitou o relacionamento devido à diferença social dos dois, mas o romance aconteceu, mesmo em meio a tantos obstáculos. Muitos sentimentos e sensações são despertados na idosa por meio dos relatos do visitante e, durante as conversas, ela relembra vários momentos de sua vida. Essas cenas fazem parte do filme Diário de uma Paixão, que tem como enredo a história de Allie, uma idosa que sofre de Alzheimer, doença neurodegenerativa progressiva e irreversível que acomete a memória, as funções cognitivas e provoca alterações de comportamento e personalidade.

O Alzheimer é o distúrbio cerebral mais comum entre a população idosa. Ele acomete cerca de 10% das pessoas com mais de 65 anos; 25% das que têm mais de 85 anos podem apresentar algum sintoma da doença. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), atualmente existem aproximadamente 35,6 milhões de pessoas diagnosticadas com essa patologia no mundo, sendo cerca de 1,2 milhão no Brasil.

As alterações cerebrais causadas pelo Alzheimer podem ser descritas conforme a fase da enfermidade. Na fase pré-clínica não há sintomas identificáveis de perda de memória; a segunda fase é de comprometimento cognitivo leve, na qual há alterações de memória sem interferência nas atividades cotidianas. A última fase consiste na doença propriamente dita, que pode ser dividida em estágios leve, moderado e grave/avançado. Nessa etapa, a atrofia cerebral faz redução do córtex (substância cinzenta), danifica áreas envolvidas no raciocínio e lembranças. Embora os números de casos de pacientes que evoluem para demência sejam expressivos, nem todos desenvolvem essa condição neurológica.

O neurologista Dr. Leonardo Camargo, da Clínica N3, esclarece que, com o passar do tempo, é comum haver agravamento do quadro devido às mudanças estruturais mais aceleradas (se comparadas ao envelhecimento do cérebro saudável) e à atrofia cerebral. Diante das limitações que surgem e da impossibilidade de realizar diversas tarefas, o paciente passa a demandar cuidado integral.

O diagnóstico da doença é muito importante e, quanto antes for fechado e o tratamento iniciado, maiores serão as possibilidades de controlar os sintomas. Por isso, diante de qualquer sinal que remeta ao Alzheimer, é fundamental procurar um especialista para avaliar a saúde do paciente e fazer exames comprobatórios. Com relação ao tratamento, podem ser administrados medicamentos e indicado o acompanhamento por parte de equipe multidisciplinar composta por neurologista, psiquiatra, psicólogo, nutricionista e fisioterapeuta, por exemplo.

Manter uma boa alimentação, praticar exercício físico, evitar fatores de risco (como tabagismo, má qualidade do sono e hipertensão), estimular a atividade do cérebro por meio da convivência com familiares e amigos, e treinar a mente com exercícios cognitivos e leitura, são estratégias que ajudam a retardar o processo degenerativo.

Porções de carinho

No dia a dia, doses extras de carinho são indispensáveis para uma melhor qualidade de vida do paciente com Alzheimer, afinal, a doença pode apagar as lembranças, mas não o amor recebido. Uma das formas de melhorar a relação entre o paciente e aqueles que convivem com ele é otimizar a comunicação com atitudes simples, como: evitar ruídos e distrações; buscar sempre tranquilizá-lo; não discutir, brigar ou gritar; falar devagar, com bom tom de voz e olhando nos olhos; manter a calma e ter paciência; sempre que possível, utilizar o humor e rir das situações de mal entendido.

Assim como retrata o filme Diário de uma Paixão, paciência e muito afeto são ingredientes imprescindíveis na rotina com pessoas que sofrem de Alzheimer. De acordo com o neurologista, a relação do cuidador com o paciente tem impacto importante na percepção dos mais diversos estímulos. Para ajudar o paciente a acessar suas emoções, a família ou o cuidador pode utilizar, com frequência, recursos como músicas, filmes, comidas, fragrâncias. “Esses estímulos são muito importantes, especialmente nas fases menos avançadas da doença”, observa.

Um estudo de 2016 publicado no Journal of Alzheimer’s Disease demonstrou que o senso de humor é potencialmente relevante para o funcionamento social nas demências. Para grande parte dos pacientes, a musicoterapia apresenta claro benefício para acessar emoções e para a reabilitação. Essa técnica terapêutica ajuda a reduzir o estresse e a agressividade, além de possibilitar o resgate autobiográfico e a liberação da memória preservada no contexto musical. Conforme relata o neurologista, a memória musical ainda permanece preservada nos mais diversos estágios da doença.

As relações afetivas têm papel crucial para os pacientes com Alzheimer, principalmente nos estágios iniciais. Pesquisas demonstram que os desfechos são comparativamente melhores, principalmente quando os cuidadores são treinados e não somente têm acesso a material escrito. As capacitações melhoram a reação dos cuidadores aos comportamentos dos pacientes e, consequentemente, ajudam a reduzir seus níveis de depressão e agitação.

“A sensação de segurança na relação impacta tanto no cuidado diário quanto no prognóstico da evolução sintomática”, comenta Dr. Leonardo. Justamente pelos efeitos positivos de um bom acolhimento por parte daqueles que acompanham a pessoa com DA que, nos últimos anos, além de se falar das necessidades do paciente, vem sendo estimulada a atenção em relação ao cuidador.

Estudo recém publicado no ano passado na Alzheimer’s Disease International demonstrou que em portadores de demência e familiares bem preparados e com suporte emocional, os sentimentos iniciais de choque, raiva e tristeza são equilibrados por sentimentos de empoderamento e segurança. “Isso demonstra a importância do tratamento multidisciplinar e integral do paciente e dos familiares”, complementa o neurologista.

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