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Fibromialgia causa dor no corpo todo, é crônica e demanda paciente ativo

“Dói até o fio de cabelo”. “É uma dor de dente física que se sente todo o tempo”. Estes são breves relatos de pacientes sobre o sintoma mais característico da fibromialgia: uma dor que acomete todo o corpo. E a ciência garante: a descrição retrata a realidade. Sem causa definida e com mecanismo de ação incerto, essa enfermidade é considerada uma síndrome relacionada a um distúrbio de regulação no processamento da dor pelo cérebro.

Mais comum entre as mulheres, a doença também pode acometer homens, idosos, adolescentes e crianças. No Brasil, ela está presente em cerca de 2% a 3% da população, e costuma se manifestar entre os 30 e 55 anos. Os dados são da SBR (Sociedade Brasileira de Reumatologia). O desafio para essas pessoas é que elas podem ter de esperar até 3 anos desde que os primeiros sintomas apareçam até conseguirem ter um diagnóstico e o devido tratamento.

A fibromialgia é uma doença crônica para a qual ainda não existe cura. Apesar disso, sabe-se que ela não é progressiva, nem fatal. Quando devidamente tratada, os sintomas são minimizados e até desaparecem. Os cuidados médicos se baseiam em práticas não farmacológicas e medicamentos; as primeiras, são pilares do tratamento. Afinal, de acordo com os especialistas, para essa doença não existe pílula mágica. É a educação do paciente e o autocuidado que aumentam, e muito, as chances de sucesso terapêutico.

Trata-se de uma síndrome clínica (conjunto de sinais e sintomas) caracterizada, principalmente, pela dor generalizada (em todo o corpo), mas também inclui fadiga, sono não reparador e distúrbios cognitivos. Pessoas com fibromialgia ainda apresentam grande sensibilidade ao toque.

A fibromialgia é uma doença crônica, de origem ainda desconhecida. As evidências científicas que temos até o momento sugerem que ela decorre de anormalidades hormonais, substâncias químicas cerebrais, e mudanças na forma como o SNC (Sistema Nervoso Central) processa a dor. Imagina-se ainda que algumas pessoas são mais suscetíveis à manifestação dessa enfermidade devido à herança genética. Sabe-se também que a doença pode ser desencadeada (ou agravada) pelos seguintes fatores:

– Infecções e outras doenças;

– Traumas físicos ou psicológicos;

– Estresse crônico ou frequente.

A fibromialgia pode acometer homens, mulheres, crianças e até idosos, mas é mais frequente no grupo feminino. Cogita-se que essa diferença resulte de fatores hormonais, mas as evidências científicas ainda são escassas nesse sentido. Outra explicação da maior incidência entre as mulheres seria o fato de que elas percebem a dor, lidam com o estresse e respondem aos estímulos ambientais de forma diferente da dos homens. Por isso, nesse grupo, é comum observar também outras condições:

– Altos níveis de ansiedade e depressão;

– Dificuldade nas estratégias de lidar com os problema;

– Alteração comportamental como resposta à dor;

– Alterações no SNC e efeitos hormonais do ciclo menstrual.

A psiquiatra Raquel Tatiane Heep, pós-graduada em dor crônica e professora da Faculdade de Medicina da Universidade Positivo (PR) diz que, entre seus pacientes com dor crônica, quase 70% deles apresentam quadros de ansiedade; 25% têm depressão e metade já teve depressão no passado.

“Para entender a dor dessas mulheres não podemos esquecer do conceito de “dor total”, que tem natureza multidimensional e abrange não só o desconforto físico, mas tem dimensões sociais, emocionais e até espirituais”, explica a médica.

O principal deles é a dor generalizada, ou seja, a sensação dolorosa é sentida por todo o corpo, mas pode ser pior no pescoço e nas costas. Em geral, ela é descrita como uma manifestação muscular, uma sensação de queimação ou pontada. Algumas pessoas se referem a ela como dor nos ossos, nas articulações (juntas) ou nas “carnes”. Outros sintomas importantes são a fadiga e o sono não reparador. Tais manifestações podem variar de pessoa a pessoa, e também melhoram ou pioram a depender dos níveis de estresse e do condicionamento físico. Você poderá observar também outras condições, como as descritas a seguir:

– Dor ao toque (as pessoas sentem dor ao serem abraçadas ou tocadas;

– Insônia;

– Pernas inquietas (ao dormir);

– Distúrbios cognitivos (falta de memória e dificuldade de concentração);

– Dor abdominal;

– Queimação;

– Formigamento;

– Problemas para urinar;

– Dor de cabeça;

– Distúrbios do humor (depressão e ansiedade).

Toda dor que não tem causa aparente, se repete ou não passa ao longo do tempo deve ser investigada. Mas o sinal de alerta para buscar ajuda médica é a percepção de que o corpo está sempre dolorido, e nada parece funcionar para trazer alívio. A explicação é do reumatologista José Eduardo Martinez, professor da Faculdade de Ciências Médicas e da Saúde da PUC-SP e secretário-geral da SBR. Ele acrescenta que, na maioria das vezes, o primeiro médico a ter contato com esses pacientes são os generalistas (clínicos gerais ou médicos de família) e estes, quando bem informados, estão aptos a avaliar e tratar esses indivíduos de forma integral.

Mas como a dor generalizada pode ser interpretada como dor musculoesquelética, não é raro que os primeiros especialistas a serem procurados sejam o reumatologista, o ortopedista e até o fisiatra. “Embora boa parte do conhecimento médico sobre a fibromialgia tenha sido construído pelos reumatologistas, é certo que todo profissional que tenha conhecimento sobre a doença pode acompanhar esses pacientes. A depender do quadro de cada um, serão eles a decidir a necessidade, ou não, de encaminhamento para um especialista”, conclui Martinez.

Não existe nenhum marcador biológico da doença. Por isso o diagnóstico é essencialmente clínico. Isso significa que o médico vai colher suas informações de saúde e queixas, e ainda fará o exame físico, o que inclui uma manobra que testa a sensibilidade de pontos específicos dos músculos, chamados de pontos dolorosos. Ele também poderá lançar mão de questionários (Índice de Dor Generalizada, de Gravidade dos Sintomas e de Impacto da fibromialgia) para ter mais dados do seu quadro.

Para diagnosticar a fibriomialgia, exames complementares não são essenciais, e somente são solicitados quando há suspeita da presença de alguma doença que possa ser confundida com ela. Caso isso aconteça, testes pedidos são os de sangue e o de urina, além de imagem, como a radiografia. Apesar de hoje o acesso a informações sobre a doença ser mais fácil, o tempo médio de espera para que se tenha um diagnóstico preciso pode ser de até 3 anos, contados desde o primeiro momento da consulta com as queixas relativas à doença. As informações são do BMC Health Services Research.

Existem muitas enfermidades associadas à fibromialgia. Em geral, são doenças reumatológicas que afetam as articulações, músculos e ossos, mas não só. Confira:

– Osteoartrite;

– Lúpus;

– Artrite reumatoide;

– Espondilite anquilosante;

– Disfunção temporomandibular;

– Depressão Ansiedade;

– Dor miofascial;

– Enxaqueca;

– Cistite Intersticial.

O objetivo dele é aliviar a dor ou reduzir a sua intensidade ao mínimo possível, promovendo a qualidade de vida do paciente. Como a fibromialgia é uma enfermidade crônica, suas manifestações estarão presentes ao longo da vida, já que elas são dependentes de vários fatores físicos e emocionais. Assim, o tratamento é sempre individualizado e atende às diferentes manifestações clínicas no decorrer do processo terapêutico.

As abordagens médicas, idealmente, devem ser multidisciplinares (contemplam a atuação de vários profissionais como reumatologistas, psiquiatras, fisioterapeutas, psicólogos, educadores físicos, nutricionistas e acupunturistas), e se dividem em duas categorias: a não farmacológica e a farmacológica. Existem alguns poucos Centros de Referência para tratamento da dor espalhados pelo país com essas estruturas, e geralmente eles estão localizados nas universidades. O tratamento começa nas UBS (Unidades Básicas de Saúde), passa pelo especialista e, quando necessário, o paciente é encaminhado para esse serviço.

Considerada essencial, ela se baseia na educação do paciente e em mudanças do estilo de vida. Engajamento, autocuidado e exercícios físicos são pilares do sucesso do tratamento porque nenhum medicamento, sozinho, atende às necessidades das pessoas com fibromialgia. A prática física deve respeitar as limitações de cada indivíduo, mas ela é a chave para aplacar a dor, melhorar o humor, o condicionamento físico e o sono. Pouca intensidade e muita frequência é a recomendação dos especialistas.

Psicoterapia, terapia cognitivo comportamental e meditação também devem compor o tratamento, especialmente entre as pessoas com depressão e ansiedade. Há ainda propostas, em fase de pesquisas, do uso da EMT (Estimulação Magnética Transcraniana), técnica que estimula áreas do cérebro para melhorar seus mecanismos naturais. A prática é especialmente indicada para os casos que não respondem bem ao tratamento (refratários).

Carlos Zicarelli, neurocirurgião e supervisor do Programa de Residência de Neurocirurgia do Hospital Evangélico de Londrina (PR) explica que é comum que as dores neuropáticas, assim como outras doenças, estejam presentes entre os pacientes com fibromialgia. Na prática clínica, quando chegam ao consultório de um neurologista, eles geralmente se dizem desacreditados porque já tentaram vários tratamentos, sem sucesso.

A conduta é reavaliar o estado geral deles para encontrar e tratar a dor crônica, além de estimular a retomada da atividade física, cujos benefícios, na fibromialgia, são bastante conhecidos. Como a dor pode acometer várias áreas do corpo (coluna, joelho, cotovelos etc.), “ela pode ser tratada por meio de técnicas minimamente invasivas (inervação e rizotomia percutâneas por radiofrequência) e infiltração com medicamentos analgésicos. Mais recentemente a neuromodulação por eletrodos [EMT] tem se mostrado promissora”, esclarece o médico.

Muitos estudos científicos têm observado os efeitos dessa prática da MTC (Medicina Tradicional Chinesa). O objetivo deles é coletar evidências de sua eficácia e segurança. Até o momento, os resultados têm sido contraditórios, mas algumas pesquisas sugerem que ela pode ser benéfica, mesmo que por breve tempo. Como se trata de uma técnica de baixo risco, ela compõe os serviços de várias equipes multidisciplinares que tratam a dor, justamente porque grande parte dos pacientes se beneficia dela.

Até o momento não existem evidências robustas de que uma dieta específica possa beneficiar pessoas com fibromialgia. Apesar disso, os cientistas seguem investigando a relação entre nutrição e a doença.

Uma recente revisão de estudos sobre o tema concluiu que, embora as evidências científicas sejam contraditórias nesse sentido, elas são promissoras. Isso porque muitas das pesquisas concluíram que regimes alimentares com baixas calorias, ricos em vegetais e pobres em FODMAPs (família de carboidratos, monossacarídeos, dissacarídeos, oligossacarídeos e poliois que são mal absorvidos pelo organismo e causam desconforto intestinal), podem ser benéficos para esses pacientes, melhorando a qualidade de vida, o sono, a ansiedade e os biomarcadores inflamatórios. O estudo foi publicado pela revista médica Annals of Medicine.

A dor, na fibromialgia, decorre de uma falta de regulação por parte do SNC, o que ocorre, em parte, devido a alterações dos níveis de neutrotransmissores, substâncias químicas produzidas pelos neurônios (células nervosas). Alguns neurotransmissores são capazes de reduzir a dor; outros, a intensificam.

Assim, alguns tipos de antidepressivos (dual ou tricíclico) e anticonvulsivantes (neuromoduladores como a gabapentina e a pregabalina) são usados para aumentar a quantidade de neurotransmissores que diminuem a dor. Esta é a razão pela qual os médicos indicam esses fármacos para pacientes com fibromialgia. Caso a pessoa com fibromialgia tenha outras doenças (comorbidades) que requeiram tratamento com analgésicos e anti-inflamatórios, essas medicações podem ser úteis porque reduzem a sensação dolorosa por elas provocadas, o que repercute positivamente no tratamento da fibromialgia.

A literatura médica adverte que alguns pacientes poderão apresentar problemas cognitivos e de memória duradouros que podem afetar a concentração. Pessoas com fibromialgia também tendem a ser mais hospitalizados quando comparadas aos demais indivíduos.

Os especialistas consultados são unânimes quanto à importância da participação ativa do paciente para o controle dos sintomas e aprimoramento da qualidade de vida. Daí a necessidade de adesão ao tratamento medicamentoso e da adoção de um estilo de vida mais saudável. A prática é eficaz não só para a redução da dor, mas também melhora o sono, alivia a fatiga e o estresse. O ACR (sigla em inglês para Colégio Americano de Reumatologia) sugere a adoção das seguintes medidas para potencializar os efeitos dessas estratégias terapêuticas. Confira:

– Exercite-se com frequência: comece devagar e vá aprimorando a prática;

– Prefira atividades como andar, nadar, alongar ou ioga;

– Invista em exercícios de fortalecimento muscular e resistência, sempre respeitando seus limites;

– Acrescente mais movimento à sua rotina: prefira escadas a elevadores;

– Siga as instruções de seu médico quanto às medicações. Elas facilitam seu cotidiano e o ajudam a ser mais ativo;

– Aprenda a descansar e relaxar. Reserve um momento do dia para esse fim;

– Dedique-se a exercícios de respiração ou meditação que reduzem o estresse;

– Adote hábitos de higiene do sono;

– Evite sonecas durante o dia e cafeína para driblar o cansaço;

– A nicotina é estimulante e pode agravar distúrbios do sono.

Acesse a Cartilha sobre Fibromialgia da SBR: https://www.reumatologia.org.br/doencas-reumaticas/fibromialgia-e-doencas-articulares-inflamatorias/.

Fontes: José Eduardo Martinez, doutor em reumatologia, professor titular da Faculdade de Ciências Médicas e da Saúde da PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, campus Sorocaba) e secretário-geral da SBR (Sociedade Brasileira de Reumatologia); Carlos Zicarelli, neurocirurgião, supervisor do Programa de Residência de Neurocirurgia do Hospital Evangélico de Londrina (PR) e supervisor do Internato Médica da Neurocirurgia da Escola de Medicina da PUC-PR (Pontifícia Universidade Católica do Paraná, campus Londrina), é presidente do Capítulo do Paraná da ABNc (Academia Brasileira de Neurocirurgia), membro da INS (sigla em inglês para Sociedade Internacional de Neuromodulação); Raquel Tatiane Heep, médica psiquiatra, pós-graduada em dor crônica (Hospital Israelita Albert Einstein) e professora da Faculdade de Medicina da Universidade Positivo (PR). Revisão Técnica: José Eduardo Martinez.

Referências: Fibromialgia — Cartilha para pacientes da SBR (Sociedade Brasileira de Reumatologia); ACR (American College of Reumathology); Bhargava J, Hurley JA. Fibromyalgia. [Atualizado em 2020 Jul 10]. In: StatPearls [Internet]. Treasure Island (FL): StatPearls Publishing; 2020 Jan-. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK540974/; Silva AR, Bernardo A, Costa J, et al. Dietary interventions in fibromyalgia: a systematic review. Ann Med. 2019; Choy E, Perrot S, Leon T, et al. A patient survey of the impact of fibromyalgia and the journey to diagnosis. BMC Health Serv Res. 2010;10:102. Published 2010 Apr 26; Millea, P.J., Holloway R.L. Treating fibromyalgia. American Family Physician October 1, 2000.

Fonte: https://www.uol.com.br/vivabem/doencas-de-a-z/fibromialgia-causa-dor-no-corpo-todo-e-cronica-e-demanda-paciente-ativo.htm

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